17th April 2025

Boi Dorme Mas Não Esquece — Crónica de um Aldrabão com Azar

Em Coruche, onde o comércio de gado roça a arte ancestral, já ninguém se espanta com a presença habitual de certos artistas do embuste — verdadeiros mestres do “paga-se para a semana” e do clássico “isto agora está difícil, mas sou homem de palavra!” — especialistas em empurrar a verdade com a barriga, embrulhar aldrabices em conversa melosa e fugir ao compromisso com a destreza de gato em telhado de zinco quente.

Entre esses ilustres da esperteza saloia, há um nome que sempre se destacou. Um verdadeiro especialista em vender ilusões bem empacotadas, com um sorriso nos lábios e as mãos sempre estendidas para receber… mas nunca para devolver. Durante anos, viveu assim: prometendo mundos, vendendo promessas vazias e convencendo os incautos com a convicção de um padre em dia de sermão.

Mas, como a história ensina, até o mais afinado dos vigaristas acaba por encontrar quem não tenha paciência para fábulas nem tempo para lenga-lengas.

E foi exactamente isso que aconteceu quando o nosso amigo decidiu aplicar uma das suas habituais manobras a um negociante de gado mais… impaciente, digamos. O guião era o de sempre: entrega feita, pagamento adiado, desculpas ensaiadas. Só que, desta vez, o desfecho foi outro.

Dizem que o homem lesado, conhecido pela frontalidade e por não gostar de ser feito parvo, não aceitou rodeios nem promessas de transferências imaginárias. Foi directo ao assunto e exigiu, ali mesmo, o que lhe era devido — sem mais tangas nem rodeios. O que se passou a seguir, segundo contam testemunhas entre o divertido e o espantado, foi digno de comédia antiga: o aldrabão, ao ver que a encenação não pegava, mudou de cor, gaguejou meia dúzia de frases e… pirou-se. Desapareceu do mapa como quem se lembra, de repente, que deixou o lume aceso em casa.

Agora, há quem diga que anda por aí, a tentar juntar os trocos, envergonhado e em fuga do estrago que provocou. Outros garantem que é só mais uma pausa estratégica — à espera que tudo esfrie para voltar com nova história, novo “negócio da China” e o mesmo descaramento de sempre.

Afinal, em Coruche, a memória é longa… mas a paciência é curta. E quando o aldrabão erra no alvo, nem todos estão dispostos a sorrir e engolir em seco. Alguns querem o pagamento — com juros e lição incluída.